O cometa interestelar 3I/ATLAS: o que realmente sabemos sobre o visitante que vem de fora do Sistema Solar

Nos últimos meses, o cometa 3I/ATLAS virou assunto recorrente nas redes sociais e portais de notícias — nem sempre da maneira mais responsável. Entre manchetes alarmistas e especulações sobre “anomalias”, o tema tem atraído curiosos e desinformação.
Mas o que de fato se sabe sobre esse corpo celeste que veio de fora do nosso Sistema Solar? O astrônomo Jorge Márcio Carvano, do Observatório Nacional (ON), ajuda a esclarecer os fatos e separar ciência de sensacionalismo.


Descoberta e origem do 3I/ATLAS

O cometa foi identificado em julho de 2025 pela campanha astronômica ATLAS, voltada à detecção de asteroides e cometas próximos da Terra.
Ele não oferece risco algum ao planeta: sua aproximação máxima será de cerca de 270 milhões de quilômetros, distância mais de 700 vezes superior à que nos separa da Lua.

Os cálculos orbitais mostraram que sua trajetória não é elíptica, como a dos corpos ligados ao Sol, mas aberta — o que confirma sua origem interestelar.
“Trata-se de um visitante que entrou no Sistema Solar, fará uma passagem próxima ao Sol e seguirá sua jornada para nunca mais voltar”, explica Carvano.

O nome segue essa lógica: o prefixo “3I” indica ser o terceiro objeto interestelar já registrado; “ATLAS” faz referência ao projeto responsável pela descoberta.
Como apresenta uma nuvem de poeira típica de cometas, também recebeu a designação C/2025 N1, indicando ser o primeiro cometa descoberto na primeira quinzena de julho de 2025.


O que compõe e move um cometa

Segundo Carvano, os cometas são misturas de gelo, poeira e compostos voláteis que percorrem órbitas alongadas em torno do Sol.
Ao se aproximarem da estrela, o aumento da temperatura faz com que os gelos sublimem — passando do estado sólido direto para o gasoso —, liberando a poeira retida em seu interior.

Esse processo gera jatos de gás e partículas, que formam uma nuvem difusa ao redor do núcleo chamada “coma”.
A radiação solar empurra esse material, originando as famosas caudas luminosas.
Esses jatos podem até modificar levemente a trajetória do cometa.

“Essas comas e caudas chegam a se estender por dezenas de milhares de quilômetros. Como a poeira reflete a luz do Sol, o brilho aumenta muito conforme o cometa se aproxima da estrela”, comenta o astrônomo.

A maioria dos cometas tem núcleos de até 10 km de diâmetro e formas irregulares. “Pense num formato de batata”, compara Carvano.


Um visitante de outra estrela

O 3I/ATLAS é composto basicamente pelos mesmos elementos dos cometas do nosso sistema, mas se formou em torno de outra estrela — provavelmente expulso durante a formação de seu sistema planetário.
Depois de vagar por eras no espaço interestelar, o objeto agora cruza o nosso Sistema Solar, oferecendo uma rara oportunidade científica.

Por ser apenas o terceiro corpo interestelar já identificado, ele desperta enorme interesse entre pesquisadores.
“Vários grupos estão acompanhando sua passagem, e existe até a ideia de aproveitar sondas já em operação para tentar observá-lo de perto antes que desapareça”, diz Carvano.


Entre o fascínio e o exagero

A atenção em torno do 3I/ATLAS é natural — afinal, trata-se de um fenômeno raro.
Mas, segundo Carvano, a onda de notícias sensacionalistas reflete o ambiente digital atual, em que informações são replicadas em segundos, muitas vezes sem verificação.
“Os astrônomos compartilham resultados preliminares quase em tempo real em fóruns públicos. Esses dados acabam sendo copiados e distorcidos por robôs e influenciadores atrás de cliques”, explica.

Outro fator é a presença de um pequeno grupo de cientistas que apoia hipóteses de visitas alienígenas.
“Desde a descoberta, alguns deles publicaram artigos sugerindo que o 3I/ATLAS poderia ser uma sonda alienígena. São interpretações especulativas baseadas em dados incompletos”, ressalta.
A maioria da comunidade científica, no entanto, não vê qualquer indício nesse sentido.


As principais alegações e o que dizem os fatos

1. “Anomalias” observadas

As supostas “anomalias” se devem às diferenças esperadas entre objetos formados fora e dentro do nosso Sistema Solar.
“É natural que ele apresente características únicas. O surpreendente seria se fosse idêntico aos nossos cometas”, explica o pesquisador.

2. “Trajetória suspeita”

A órbita do 3I/ATLAS tem baixa inclinação em relação ao plano da Terra, cruzando nossa trajetória, o que levou alguns entusiastas a sugerirem “intenção” nessa rota.
Carvano esclarece: “Esses corpos são ejetados de seus sistemas em direções aleatórias. O fato de a órbita cruzar a da Terra é pura coincidência.”

3. “Massa anormal”

As primeiras estimativas, feitas antes de confirmar a presença da coma, indicavam um raio de 12 km, levando à impressão de que o corpo seria massivo.
Com observações mais precisas, os cálculos foram revisados para 200 metros a 3 km — dimensões comuns para cometas.
A confusão surgiu da interpretação apressada de dados preliminares.

4. “Jatos voltados ao Sol”

Nem toda cauda aponta na direção oposta ao Sol. Dependendo da rotação, da distribuição dos gelos e da pressão dos gases, é possível formar “anti-caudas”, como já se observou em cometas do próprio Sistema Solar.
Portanto, esse comportamento não é anômalo.


A suposta “ausência da NASA”

Alguns sites afirmam que a NASA estaria “omitindo informações” sobre o cometa.
Carvano rebate: “A NASA não tem o papel de comentar cada evento astronômico. Ela coordena sondas, telescópios e projetos de pesquisa, mas não controla toda a astronomia mundial.”

Ele lembra que os dados produzidos por missões financiadas pela agência são públicos após cerca de um ano, e que vários observatórios independentes em todo o mundo estudam o 3I/ATLAS.
“O próprio projeto ATLAS é da Universidade do Havaí, e o cometa anterior, 2I/Borisov, foi descoberto por um astrônomo amador da Crimeia”, reforça.


Defesa planetária e campanhas de observação

Em outubro, a International Asteroid Warning Network (IAWN) organizou uma campanha global para acompanhar o 3I/ATLAS.
O objetivo era medir com precisão as pequenas variações em sua trajetória causadas pelos jatos de gás após a passagem pelo periélio em 29 de outubro.

Carvano explica que esse tipo de iniciativa não tem relação com ameaças reais:
“São exercícios científicos que treinam observadores e refinam os métodos de cálculo orbital. Não existe qualquer possibilidade de impacto com a Terra.”

A IAWN é ligada à União Astronômica Internacional e à ONU, reunindo agências espaciais e pesquisadores independentes.
Ela integra protocolos de cooperação científica para identificar e rastrear objetos potencialmente perigosos — mas o 3I/ATLAS não se enquadra nessa categoria.


Um visitante raro, não uma ameaça

O cometa 3I/ATLAS (C/2025 N1) é uma oportunidade única de observação e aprendizado sobre outros sistemas planetários.
Embora desperte curiosidade — e manchetes exageradas —, ele representa zero risco para a Terra.

Como resume Carvano:

“A ciência trabalha com evidências, e até agora, todas apontam para um cometa perfeitamente natural — fascinante, mas não misterioso.”

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